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Esclerose múltipla sem mistérios

01 outubro 2012 - 10:48

A esclerose múltipla é uma doença inflamatória devastadora que afeta principalmente a medula espinhal e o cérebro. A imprevisibilidade de surtos e a permanente incapacidade médica de antecipar qual paciente terá uma boa resposta ao medicamento indicado são as características mais importantes da enfermidade. Cientistas das universidades de Yale e Harvard, e pesquisadores do Hospital Brigham, em Boston, porém, acreditam ter encontrado a “bola de cristal” que porá fim a essas duas dificuldades e levará ao desenvolvimento de tratamentos mais personalizados.

O artigo publicado na Science Translational Medicine semana passada sugere que indivíduos acometidos com a esclerose múltipla podem ser divididos em dois grupos com níveis distintos de atividade da doença. Eles poderiam ser identificados por um exame relativamente simples, o que ajudaria os médicos a localizar pacientes com maiores riscos de surtos e aqueles que podem se beneficiar de um tratamento inicial mais agressivo. Philip De Jager e sua equipe colheram amostras de sangue de quase 700 indivíduos com esclerose múltipla. Em seguida, isolaram células imunes específicas envolvidas na produção de proteínas e alvo dos atuais tratamentos da enfermidade, os linfócitos T. Deles foi extraído material genético em que foi possível perceber uma espécie de assinatura metabólica diferenciada.

“Imagine que temos um grupo de quatro gêmeos idênticos. Apesar de terem o mesmo material genético, um deles tem câncer. Isso porque o ambiente interage sobre o indivíduo de forma diferente, ligando, desligando, atenuando ou exacerbando a produção de determinadas proteínas”, explica o neurologista Hudson Mourão Mesquita. É justamente essa expressão dos genes nos linfócitos T que os cientistas americanos acreditam influenciar na manifestação da esclerose múltipla. “Esses resultados nos motiva a melhorar essas distinções com mais pesquisas para que possamos alcançar nosso objetivo de identificar o melhor tratamento para cada indivíduo com esclerose múltipla”, afirma De Jager, autor sênior do estudo.

Para verificar essa atividade, o material genético dos linfócitos T recolhido foi colocado em um meio que possibilitava uma produção normal de proteínas. A partir daí, eles observaram como ocorria o processo, caracterizando o perfil metabólico das células. A observação clínica de pacientes com esclerose múltipla já mostra que uma atividade maior, por exemplo, leva a um maior número de inflamações e, consequentemente, a uma doença mais agressiva.

Dessa forma, foram traçados dois perfis de pacientes. Os indivíduos classificados como EMa se mostraram mais suscetíveis que os indivíduos do grupo EMb a exibir evidências de atividade da doença no futuro, como os surtos. Especificamente, a taxa de risco sugere que os pacientes EMb têm 40% menos chances de surtos que os EMa. Uma vez que um paciente estiver enquadrado no grupo EMa, é mais provável que ele vivencie surtos e o neurologista possa considerar a indicação de um tratamento mais forte.

Análise pelo histórico Segundo a coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia, Doralina Guimarães Brum, a comunidade científica voltada para pesquisas em esclerose múltipla busca exatamente um biomarcador ou qualquer outro fator que possa ser mensurado para previamente apontar como será o desenvolvimento da doença no paciente. “Esse trabalho é mais uma busca nesse sentido. Eles uaram uma metodologia refinada para um aspecto muito interessante: não basta ver o genoma todo, é preciso verificar a expressão daqueles genes. Que os genes influenciam nós já sabemos há algum tempo e conhecemos pelo menos 70 deles no caso da esclerose múltipla. A expressão genética reflete o que vimos clinicamente”, analisa Doralina. Ela lembra que a diferenciação entre pacientes com a doença mais agressiva já é feita em consultório.

Para tal, o histórico do paciente é recuperado. Primeiramente, é avaliado o número de ocorrência de surtos. Aquele que sofre três surtos por ano tem a atividade inflamatória mais agravada que o indivíduo com apenas um surto a cada três anos. O número de novas lesões cerebrais, investigadas por um exame de ressonância magnética, também é um fator para mostrar a agressividade da doença. “ O terceiro deles é a capacidade funcional do paciente. Se depois de um ano ele passa a ter restrições de atividade motora no momento de surto, por exemplo, sua situação é mais grave”, avalia.

Ainda assim, o neurologista Hudson Mesquita reforça a importância de estudos nesse sentido. Ele conta que a primeira pergunta feita por um paciente que acaba de ser diagnosticado com a doença é exatamente como será a progressão da lesão e quanto poderá prejudicar suas habilidades motoras e cognitivas. “Respondo que não sei e isso angustia muito o médico e o paciente. Existem remédios e ressonâncias periódicas, mas seria uma grande coisa conseguir detectar logo na primeira consulta como será o futuro”, acredita.

Mesmo com as evidências encontradas, os pesquisadores se mantêm cautelosos. “Nosso estudo é um passo importante para a medicina personalizada em esclerose múltipla, mas ainda há muito trabalho a ser feito para compreender em que circunstâncias e combinação com outras informações a assinatura pode tornar-se útil em um ambiente clínico”, pondera De Jager.

Cientistas testam remédio oral

O tratamento para esclerose múltipla consiste na redução da ocorrência de surtos por meio de drogas denominadas agentes modificadores, como o acetato de glatiramer e o interferon. Dois estudos publicados na New England Journal of Medicine trazem resultados animadores para a incorporação de um novo medicamento a esse arsenal, o fumarato de dimetilo ou apenas BG-12, que tem sido usado por mais de 30 anos no tratamento da psoríase.

O primeiro estudo compara a ação do BG-12 ao placebo e o segundo ao acetato de glatiramer. Os resultados mostraram que a nova medicação tem uma eficácia comparável à terapia-padrão utilizada hoje, uma vez que as duas drogas de primeira linha diminuem as taxas de surtos em cerca de 30%. No estudo que confrontou os remédios, os pacientes que receberam o BG-12 em dois esquemas de dosagem diferentes tiveram o número de surtos significativamente reduzidos, assim como a diminuição da atividade da doença.

Além disso, a BG-12 é administrada via oral. O último fator é um grande diferencial, já que o acetato de glatiramer e o interferon necessitam de aplicação por injeção. Isso leva muitos pacientes a lidar com a administração subcutânea diária, com os cuidados para a refrigeração da droga, com as reações cutâneas, entre outros desconfortos.

 

Matéria publicada pelo Jornal Estado de Minas. www.em.com.br

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