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Advogado Felipe Rossi

O Ressarcimento ao SUS

21 maio 2012 - 23:24

Neste início de ano, grande preocupação por parte das operadoras de planos de saúde foi a exigência pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quanto ao lançamento em contabilidade de todo o “histórico” das cobranças de ressarcimento ao SUS. Essa exigência veio acompanhada de uma atualização dos valores realizada pela agência, que determinou que as empresas pelo menos vinculassem tais recursos na aplicação de ativo, impondo-lhes assim que depositassem em dinheiro vivo débitos, que, muitas vezes, são inexigíveis, pois, na sua maioria, estão prescritos.

Dentro desse contexto, questão que surge com extrema relevância é exatamente o debate em relação ao prazo de prescrição do ressarcimento ao SUS, tendo em vista que três teses jurídicas se chocam em busca de uma definição nesse sentido, quais sejam: (1) da imprescritibilidade das
cobranças; (2) prazo de cinco anos; ou (3) prazo de três anos. Os fundamentos da inexistência de prescrição (imprescritibilidade) têm nascedouro em acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União e decorrem da interpretação do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, que determina que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento”.

Consequentemente, se os atendimentos feitos pelo SUS acarretariam prejuízo ao erário público, a restituição dos mesmos se enquadraria na exceção posta pela Carta Magna Federal, sendo, sob essa ótica, imprescritível. Ocorre, porém, que tal fundamento encontra obstáculo em decisão proferida
pelo próprio TCU, cuja 4ª Secretaria afasta tal entendimento, uma vez que o ressarcimento ao SUS não tem como origem ato ilícito praticado pelas operadoras de planos de saúde e muito menos dos pacientes atendidos pelo SUS, não se caracterizando, portanto, em ilicitude do texto constitucional.

A defesa do prazo de cinco anos encaixa-se no entendimento de que a obrigação decorrente do artigo 32 da Lei nº 9.656/98 detém natureza jurídica autônoma, não podendo ser confundida com a pretensão de enriquecimento sem causa prevista no Código Civil. Por isso, caberia aplicar o prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32, o que se daria mediante analogia lastreada no princípio da simetria (igualdade), eis que inexistente norma específica disciplinadora dos prazos de prescrição dos créditos tributários, entre estes o ressarcimento ao SUS.

A jurisprudência dos tribunais sempre reconheceu o tempo de cinco anos do citado Decreto nº 20.910/32 como o prazo prescricional dos créditos não tributários, mas sempre o fez por clara ausência de legislação específica estipulando em contrário. Eis que não havia no direito positivo pátrio qualquer norma que estipulasse qual seria a prescrição dos valores em referência, aplicando-se assim a isonomia com o particular. Ocorre, entretanto, que a entrada em vigor do novo Código Civil trouxe uma inovação no ordenamento jurídico. Eis que dita lei introduziu o teor do inciso IV do parágrafo 3º do artigo 206 do Código Civil, que impõe o prazo de três anos a pretensão de
ressarcimento de enriquecimento sem causa.

É sabido que a ANS defende a constitucionalidade do ressarcimento ao SUS com base na premissa de que tal exação impediria o enriquecimento sem causa das operadoras de planos de saúde, utilizando o argumento de que a mesma se traduziria em uma recomposição patrimonial detendo
natureza civil para afastar a natureza tributária da obrigação em tela. Ou seja, “o ressarcimento ao SUS tem natureza jurídica de obrigação civil de cunho patrimonial, consistente na indenização,
por parte das operadoras, de valores gastos pelo SUS em tratamentos, os quais, estando devidamente cobertos pelos planos ajustados, deveriam ser financiados pelas mesmas” (TRF2, Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.51.01.018489-8, D.J. 19/08/2009).

Logo, justamente porque a matéria em debate se limita única e exclusivamente ao enriquecimento sem causa experimentado pelas operadoras de planos de saúde, a ANS, em nenhuma hipótese, poderá desprezar o fato de que a prescrição sobre esse tema é expressamente tutelada pelo inciso IV do parágrafo 3º do artigo 206 do Código Civil. Via de consequência tal prazo, há que incidir sobre as cobranças de ressarcimento ao SUS não só por se traduzirem em pretensão de caráter civil propriamente dita, mas, sobretudo, porque assim determina o artigo 10 do Decreto nº 20.910/32, cujo conteúdo reza com precisão: “o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições
de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas
as mesmas regras”. Tal premissa encontra amparo no entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, que, nos autos do recurso especial nº 1.137.354, decidiu pela prevalência do prazo prescricional de três anos sobre o de cinco anos, fundamentando-se na tese de que “o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional
menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado neste particular”.

Como visto acima, é o artigo 10 do Decreto nº 20.910/32 que remete a prescrição do ressarcimento ao SUS para o Código Civil, eis que, uma vez existente regra legal estabelecendo a reparação por enriquecimento sem causa pelo prazo de três anos, outra não é a consequência desse fato senão a incidência do mesmo a favor ou contra o erário público, in casu a desfavor do ressarcimento ao SUS.

Advogado e especialista em operadoras de plano de
saúde, MBA-FGV em Gestão de Sistemas de Saúde,
felipe@calazansrossi.com.br

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